Uma crescente crise no fornecimento de energia na China está causando apagões em casas e forçando as fábricas a cortar a produção, ameaçando desacelerar a vasta economia do país e colocar ainda mais pressão nas cadeias de fornecimento do mundo todo.
As empresas nos centros industriais do país foram orientadas a limitar seu consumo de energia a fim de reduzir a demanda, informou a mídia estatal. E o fornecimento foi cortado para algumas casas, supostamente até prendendo pessoas em elevadores.
Um corte de energia “inesperado e sem precedentes” atingiu três províncias do nordeste na segunda-feira (27), de acordo com o Global Times, um tabloide estatal. O jornal noticiou na terça-feira (28) que o racionamento de energia nas províncias de Heilongjiang, Jilin e Liaoning “resultou em grandes perturbações na vida diária das pessoas e nas operações comerciais”.
A escassez de energia também atingiu a província de Guangdong, no sul, um importante polo industrial e de navegação. Autoridades locais disseram na segunda que muitas empresas estão tentando reduzir a demanda trabalhando dois ou três dias por semana.
A State Grid Corporation da China disse na segunda-feira que “fará de tudo para lutar contra a dura batalha do fornecimento de energia”, unindo todos os esforços para garantir o consumo residencial.
A China foi atingida por uma crise de energia semelhante em junho, mas a situação está piorando por causa do que é chamado de “tempestade perfeita”. Suas indústrias estão enfrentando enorme pressão do aumento dos preços da energia e de Pequim para combater as emissões de carbono.
O maior poluidor do mundo está tentando cumprir a promessa de que suas emissões de carbono atingirão o pico antes de 2030. Isso exige que suas províncias usem menos combustível fóssil para cada unidade de produção econômica, por exemplo, queimando menos carvão para gerar energia. Ao mesmo tempo, a demanda por produtos fabricados na China aumentou à medida que a economia global emergia da pandemia. Resultado: não há potência suficiente para fazer a roda girar.
Os principais fornecedores internacionais estão se preparando para o impacto nas empresas que já enfrentam atrasos causados por escassez e no transporte global.
A Pegatron — uma empresa taiwanesa que produz componentes e monta iPhones para a Apple (AAPL) — disse na terça-feira que está cooperando com as “políticas do governo local [chinês]” para “ativar mecanismos de economia de energia e reduzir a produção”, em resposta a um pedido do CNN Business para comentar sobre a crise de energia.
A Pegatron tem uma grande fábrica na cidade de Kunshan, no leste da China, onde a mídia taiwanesa relatou que as autoridades estão limitando o fornecimento de eletricidade.
O racionamento de energia pode criar novas dores de cabeça para a cadeia de suprimentos de tecnologia, de acordo com Dale Gai, um diretor da Counterpoint Research, embora provavelmente não tão severo quanto a escassez mundial de chips de computador que atrapalhou tudo, de carros e máquinas de lavar a outros eletrônicos.
Interrupções em áreas onde os módulos de smartphones são normalmente montados podem levar a alguns atrasos de curto prazo.
“Há provavelmente algum atraso dos componentes por uma semana ou mais”, disse Gai. “O que ainda é administrável, mas continua sendo um atraso.”
Reduzindo as previsões de crescimento
O choque está até levando os economistas a reduzir as expectativas de crescimento este ano para a segunda maior economia do mundo.
Analistas da Nomura reduziram sua previsão de crescimento chinês em 2021 em meio ponto percentual, para 7,7% na sexta-feira (24), citando o “número crescente de fábricas” que tiveram que “encerrar as operações”, seja por causa de ordens de consumo de energia local ou interrupções de energia devidas ao aumento dos preços do carvão e à escassez.
Analistas do Goldman Sachs seguiram na terça-feira, cortando sua previsão de crescimento do PIB em 2021 de 8,2% para 7,8%, citando “recentes cortes acentuados na produção em uma série de setores de alta intensidade energética”.
Eles notaram que “uma incerteza considerável” atingiu o último trimestre do ano, dado que a economia chinesa já enfrenta riscos por causa da crise da dívida em Evergrande — o conglomerado em apuros que gerou temores entre alguns analistas de um potencial momento Lehman Brothers para a China.
Os problemas de abastecimento de energia não são novos para a China. Neste verão, várias províncias chinesas alertaram sobre a escassez no que foi a pior crise de energia do país desde 2011.
Mas os últimos relatórios são ainda mais preocupantes. A escassez aguda em partes do nordeste “continuará por algum tempo”, informou a emissora estadual CCTV .
A China saiu da crise pandêmica em grande parte graças a um boom na construção e na manufatura. Mas os projetos imobiliários e as fábricas precisam de uma tonelada de energia para operar e, portanto, grandes quantidades de carvão.
O foco em infraestrutura e construção empurrou as emissões de carbono da China para níveis recordes no primeiro trimestre de 2021, de acordo com uma pesquisa divulgada em maio pelo Centro de Pesquisa em Energia e Ar Limpo (CREA, na sigla em inglês). A agência disse que essa foi a taxa de crescimento mais rápida em mais de uma década.
“A economia é muito mais impulsionada pelo setor industrial do que pelo setor de consumo”, escreveu o economista da Macquarie Larry Hu em uma nota de pesquisa na segunda-feira. “Infelizmente, a intensidade energética na indústria é muito maior do que no setor de consumo.”
O boom pós-pandêmico de commodities e as metas climáticas ambiciosas, por sua vez, elevaram os preços do carvão às alturas, devido ao aumento da demanda e à diminuição da mineração. Hu apontou que o preço do carvão térmico — que é usado principalmente para gerar energia — subiu este ano de 671 yuans (US$ 104) por tonelada para cerca de 1.100 yuans (US$ 170). Isso não ajuda nada nas tensões comerciais.
Metas climáticas ambiciosas
Talvez o fator que mais tenha contribuído, de acordo com vários analistas, seja o esforço para cumprir a meta do presidente Xi Jinping de ter uma China neutra em carbono até 2060 .
Hu destacou que o governo chinês tem como meta uma queda de 3% na “intensidade energética” por unidade do PIB este ano.
Em agosto, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China (NDRC, na sigla em inglês) convocou quase todas as principais regiões chinesas e disse-lhes para reduzir ou monitorar seu consumo e intensidade de energia durante o resto do ano.
Nove das quase três dezenas de províncias e regiões da China aumentaram a intensidade energética na primeira metade do ano, de acordo com a agência.
Isso incluiu a província de Guangdong, no sul da China, um importante polo fabril onde uma fábrica de madeira recentemente reduziu a capacidade em mais da metade por causa dos limites de energia, de acordo com o Global Times.
Outras 10 províncias — incluindo Heilongjiang e Liaoning — não atenderam às necessidades de energia, disse a NDRC em seu anúncio de agosto.
“A resolução sem precedentes de Pequim em impor o consumo de energia e limites de intensidade pode resultar em ganhos inestimáveis de longo prazo, mas os custos de curto prazo para a economia real e os mercados financeiros são substanciais”, escreveram os analistas do Nomura.
Mantendo o controle
Alguns meios de comunicação estatais chineses também pediram que um equilíbrio seja alcançado entre o cumprimento das metas climáticas e a permissão para que a crise de energia saia do controle.
As regiões “não podem ser muito agressivas” ou “pisar no freio com muita força” no controle do consumo de energia, disse um artigo de opinião publicado no Diário do Povo, escrito pelo porta-voz do Partido Comunista no domingo (26).
“Como se trata do desenvolvimento da economia e da sociedade, eles devem apontar onde devem trabalhar e manter o equilíbrio”, dizia a matéria. “Caso contrário, isso pegará as pessoas desprevenidas, especialmente para certas indústrias, onde elas podem ser forçadas a interromper a produção em curto prazo.”